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Impulsionamento e crowdfunding: as regras para a campanha eleitoral deste ano na internet

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Por Lucas Reginato/Agência PLANO – Não é de hoje que a internet representa parte significativa do espaço público em uma campanha eleitoral, onde acontecem debates relevantes, surgem polêmicas comprometedoras e onde, enfim, o eleitor escolhe um candidato. Desde 2009 a legislação brasileira se preocupa com o tema, mas naquela época a internet era outra (alguém lembra do Orkut?). A campanha presidencial de 2014 ficou marcada por altos investimentos em estratégias e exércitos digitais compostos de bots e fakes que inflaram a opinião popular. Experiências recentes em lugares como os Estados Unidos comprovaram o poder que a tecnologia tem de influenciar o destino de um país, e por isso em 2018 o Brasil tem pela frente uma desafiadora campanha eleitoral, com novas regras para a internet, aprovadas em outubro do ano passado pelo Congresso Nacional.

“É uma mudança de paradigma: do processo eleitoral analógico, a coisa antiga, de papel e campanha na rua, para a campanha digital, na internet, que é onde o mundo funciona hoje”, explica Pedro Barbosa, Procurador Regional Eleitoral em São Paulo. “Inicialmente, avalio as mudanças de forma positiva, mas há uma preocupação com o teor da novidade. Temos os sinais de que a internet pode trazer problemas, porque aconteceu nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, mas, ao mesmo tempo, é nosso entendimento de que se trata de algo inevitável, que temos de enfrentar.”

Professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie, Diogo Rais também vê com bons olhos a reforma aprovada. “Buscou-se um tratamento mais afinado com a realidade do cenário digital”, ele diz, e destaca que “a internet coloca o eleitor como protagonista, porque ele, que até então era apenas receptor da mensagem, passa a ser emissor”. “Isso exige maturidade, pois ele deve fazer o papel de curadoria, filtrar o que há de melhor e pior para decidir o seu voto”.

Como sempre foi no Brasil, propaganda paga na internet continua proibida, mas uma novidade foi incluída no Art. 57-C da Lei Geral das Eleições (9504/97): “excetuado o impulsionamento de conteúdos”. “A propaganda eleitoral paga na internet continua proibida, é restrita ao site do candidato ou do partido político”, contextualiza Barbosa, “mas essa questão do impulsionamento é uma grande novidade com a qual a Justiça Eleitoral vai se deparar pela primeira vez”.

Mas do que se trata “impulsionamento de conteúdos”?

“A produção de conteúdo direcionado é uma tendência na internet – a quantidade de informação é tamanha que grande parte acaba se perdendo, então foram criados métodos para jogar luz sobre uma informação específica”, esclarece Rais. “Existe o movimento orgânico na internet, que é a repercussão natural que aquela postagem toma, e existem os impulsionamentos, que é a ideia de dar um ‘impulso’ naquela publicação. Ela não vai se sobrepor às outras, mas vai ganhar luz e aparecer para pessoas de um determinado perfil traçado. É fazer com que uma postagem vá para mais pessoas do que iria naturalmente”.

“A lei permitiu o impulsionamento, mas fez uma restrição em relação ao sujeito: só podem impulsionar os candidatos, os partidos políticos e as coligações. Ou seja, os profissionais que atuam nisso”, continua o professor. Além disso, a contratação desse serviço deverá ser feita diretamente com provedor da aplicação de internet, como Facebook ou Google, e constar no balanço financeiro da campanha. “O impulsionamento tem muitos prós e contras”, ele afirma. “Há quem diga que o dinheiro ganha muito mais valor e pode decidir a campanha, e tem gente que considera a possibilidade de um discurso seletivo, ou seja, o candidato dizer para um eleitor que vai construir um muro e para outro que não vai construir o muro – se antes um político tinha duas caras ele poderá ter mil caras. Minha visão, porém, é mais otimista, porque é uma possibilidade de alcançar mais pessoas, sendo que a própria tecnologia pode cuidar de seus efeitos colaterais. Se você entrar na timeline do candidato que diz que vai e não vai construir o muro, por exemplo, vai flagrar a incoerência”.

Outra inovação para este ano diz respeito ao financiamento das campanhas, que poderá contar com serviços de crowdfunding. “Acredito que é uma modalidade lúdica capaz de engajar a cidadania”, concorda Rais. “A política não dá certo se a sociedade não participar, e uma das formas de participar é com recursos financeiros mesmo. A ‘vaquinha eletrônica’ pode abrir espaço para candidaturas que até então não tinham chance alguma”.

Pedro Barbosa compartilha da opinião: “é outra novidade interessante, porque quando o STF derrubou o financiamento empresarial ficou difícil a situação especialmente para os candidatos que não têm recursos próprios suficientes”. O Procurador ressalta que as primeiras experiências, especialmente no Rio de Janeiro, foram positivas, e conseguiram tanto uma boa arrecadação como aproximar o cidadão da campanha. “Mas também não sejamos muito otimistas”, adverte, “quem participa ainda é um público muito específico, são grupos organizados. Evidentemente que, a partir daí, pode haver um crescimento, e isso seria positivo para a democracia”.

Oficialmente, a campanha eleitoral começará em agosto deste ano, mas os sinais dela estão já há alguns meses nos jornais. Para a Justiça Eleitoral, uma das grandes preocupações é a circulação de notícias e informações falsas, contra a qual o Tribunal Superior Eleitoral organiza um comitê em parceria como o Ministério Público e a Polícia Federal. Mas dificilmente teremos uma eleição justa se o eleitor também não assumir esse papel de fiscalização. “Meu conselho para o cidadão é que procure reunir as informações, fazer uma leitura completa e não apenas de uma postagem específica, porque o impulsionamento aproveita de nosso íntimo, daquilo que a gente quer ouvir”, destaca Rais. “Enquanto o usuário na internet não se conscientizar de seu papel ativo, e perceber que isso dá um trabalho, que é uma atividade, a gente não conseguirá ter um ambiente sadio na rede”.