Por Rosana Pinheiro / Agência PLANO – Com as eleições de 2016, o número de vereadoras mais que dobrou na Câmara Municipal de São Paulo passando de 5 para 11 mulheres, 20% do total das 55 vagas da casa. O avanço não representa o cenário nacional: segundo o Tribunal Superior Eleitoral, nas últimas eleições apenas 13,5% dos eleitos vereadores foram mulheres. Sendo que na eleição de 2012 o percentual foi de 13,3%. Por isso, o Brasil ocupa a posição 152ª no ranking de representatividade feminina da União Interparlamentar (UIP) – organização internacional dos Parlamentos, que atualiza a lista de 193 países anualmente. Estamos longe de alcançar os nossos vizinhos latino-americanos como Cuba (2ª), Bolivia (3ª), México (9ª), Argentina (17ª) e Equador (21ª).
O mais curioso é que não só somos a maioria da população – o Brasil tem uma população de 209 milhões com 105 milhões de mulheres – mas também representamos 52% do eleitorado brasileiro, somando 77.076.395 de pessoas, segundo a Justiça Eleitoral.
Então porque as mulheres não estão na política?
Infelizmente, o número de candidatas mulheres ainda é desproporcional ao número de mulheres aptas a votar ou a se candidatar. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, a primeira vez que candidaturas femininas alcançaram 30% do total de candidaturas foi nas eleições de 2012. Na eleição seguinte, 2016, apenas 31,89% dos candidatos eram mulheres.
Desde 2009, o artigo 10 da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) estabelece que “(…) cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo” nas eleições para deputado federal, estadual, distrital e vereador.
Essa obrigatoriedade não intimidou os interesses patriarcais dos partidos: para alcançar a meta muitos usaram “candidatas laranja”. Em 2016, pelo menos 16 mil candidatos terminaram a eleição sem nenhum voto – ou seja, nem o candidato votou em si próprio. Do total sem voto, mais de 14 mil eram mulheres. O Ministério Público Eleitoral investigou e descobriu que a maioria dessas mulheres nem sabiam que eram candidatas.
Mais recentemente, o Superior Tribunal Federal (STF) fixou uma nova regra pela qual os partidos são obrigados a destinar 30% do fundo partidário à candidatas mulheres – mesmo percentual da Lei das Eleições. Apesar da ajuda, essa iniciativa não garante em nada a igualdade de gênero dentro do Parlamento, já que as cotas são apenas para as eleições.
A nossa reportagem conversou com 4 vereadoras de São Paulo eleitas em 2016 para falar sobre a importância da representatividade feminina. Os depoimentos a seguir foram organizados em ordem alfabética:
Janaína Lima (Partido NOVO)
Como esperar resultados diferentes se fizermos as coisas sempre da mesma maneira? A permanência dos quadros tradicionais nos trouxe onde estamos e sabemos que tem muita coisa errada, um país com um potencial enorme que precisa corrigir sua rota para dar um salto que nos coloque em outro patamar. E a questão é matemática: se as mulheres estão praticamente de fora da política, grande parte dessa renovação que o Brasil busca e precisa passar pelo aumento da representatividade feminina.
É importante lembrar que, por muito tempo, as mulheres estiveram de fora do processo político, há menos de cem anos ainda eram impedidas até de votar. Então, não é de uma hora pra outra que essa equiparação numérica de eleitos acontece. Mas termos quase o dobro da média nacional na capital paulista mostra o quão vanguardista a cidade está quanto a enxergar mulheres e homens de maneira igual. É exatamente o cenário ideal que eu defendo: que a discussão não seja sobre implementar políticas públicas para incluir ou beneficiar uma parcela da população. Mas sim, todos termos a consciência de que tanto homens quanto mulheres são indivíduos igualmente capazes de serem agentes de mudanças, geradores de riquezas e, no espectro político, igualmente capazes de serem representantes eleitos pela população.”
Juliana Cardoso (PT – SP)
Existem resistências históricas, calcadas em preconceitos e elas extrapolam as bancadas partidárias. Precisamos mencionar que nunca tivemos uma presidente na Câmara Municipal de São Paulo, uma das casas legislativas mais importantes do Brasil. Também tenho certeza de que nunca a Assembleia Legislativa do Estado e o Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado) tiveram uma presidenta. Não custa lembrar que em mais de 150 anos de República só recentemente uma mulher (Dilma Roussef) foi eleita presidenta do Brasil. A luta pela igualdade de gênero é incompreendida ainda em várias instâncias. Mas de certa forma, no plano institucional aqui na Câmara temos registrado avanços, principalmente em relação a aprovação de vários projetos de lei sobre a questão dos partos humanizados ou respeitosos.
Há necessidade de reforma política que obrigue os partidos a adotarem cotas de participação e até a paridade de 50% nas suas instâncias e nos processos eletivos para vereadores, deputados estaduais e federais e senadores. Fora da política institucional está mais do que comprovado que as mulheres se igualam aos homens na formação profissional e na capacidade de trabalho, mas as oportunidades ainda são escassas pelo conservadorismo que predomina na sociedade. Em inúmeras funções similares, as mulheres recebem remunerações abaixo dos homens.”
Patrícia Bezerra (PSDB – SP)
A história é escrita por vencedores. E, ao longo da história, as mulheres foram sufocadas. Como fazer com que os vereadores, nesse ambiente majoritariamente masculino, entendam as verdadeiras necessidades de uma mulher. Principalmente porque a situação desses homens é confortável. Ele não sente na pele a discriminação e violência. Estamos evoluindo em termos numéricos. Mas ainda falta muito para atingirmos igualdade. Enquanto as mulheres não ocuparem cadeiras – e porque não a presidência? – de comissões consideradas mais “importantes” no legislativo, como Constituição e Justiça ou Finanças, nunca teremos igualdade. Nunca tivemos uma mulher presidindo a Câmara Municipal. Muitas políticas mulheres são usadas por políticos homens apenas como “escada” ou para preencherem a cota de mulheres em seus partidos.
Após a morte da vereadora Marielle Franco, vejo movimentos de mulheres se articulando para trazer candidaturas viáveis e, pela primeira vez, tenho escutado pessoas dispostas a investir nelas, inclusive financeiramente. Em uma manifestação pela democracia, na Avenida Paulista, ouvi mulheres pensando dessa forma, de diversas vertentes ideológicas, com as quais devemos conversar para articular o maior número possível de candidatas com uma agenda mínima de defesa dos direitos das mulheres.”
Sâmia Bomfim (PSOL – SP)
A Câmara de São Paulo ter uma representatividade acima da média gera uma visibilidade. Isso é bom. E eu acredito que exista uma demanda social por mulheres na política. E mesmo alguns homens. O problema é que muitas vezes essa força social não se reflete na eleição. Porque hoje ganha eleição quem tem mais dinheiro, quem tem máquina eleitoral. E dificilmente são as mulheres que tem controle disso. Quem manda nos partidos políticos são os homens.
A conquista que a gente teve recentemente, que define que 30% do fundo partidário, do tempo de TV, tem que ir obrigatoriamente para mulheres é muito importante. Mas a gente sabe que, infelizmente, muitos partidos políticos dão o seu jeitinho para driblar a lei, ou para instrumentalizar a figura de mulheres para atingir as cotas. Eu acho que tem que ter cota, mas no parlamento. Então ao invés de ⅓ do fundo partidário e das chapas eleitorais serem compostas por mulheres, tem que ser ⅓ das cadeiras do parlamento destinadas para elas. Porque aí os partidos não gastariam dinheiro a toa e se veriam obrigados a financiarem mulheres. E também precisa ter uma corrente social para fortalecer essa ideia, para que todas e todos votem em mulheres.”